Opinião

As Gerações Bravo e a verdade inconveniente sobre os Bombeiros Voluntários em Portugal

A recente iniciativa da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil de Portugal, que visa sondar as profundezas das experiências e motivações das chamadas “Gerações Bravo” – aqueles valorosos que escolheram integrar ou que já fizeram parte dos Corpos de Bombeiros –, emerge como um farol tardio de reconhecimento numa paisagem marcada por anos de decisões políticas questionáveis e uma gestão por vezes errática dos serviços de emergência e combate a incêndios no país.

Este questionário, apesar de sua aparente boa intenção, surge num panorama onde a história recente está repleta de reformas e reestruturações que, longe de valorizar, parecem ter contribuído para uma erosão progressiva do estatuto e das condições dos bombeiros voluntários – o cerne e a alma da resposta a emergências em Portugal.

Desde a extinção do Serviço Nacional de Bombeiros até à criação da Força Especial de Bombeiros, os “Canarinhos”, estas mudanças foram vendidas ao público como uma necessária profissionalização e modernização dos serviços.

Contudo, a realidade vivida pelos bombeiros voluntários reflete um cenário bem diferente, um de crescente marginalização e desvalorização.

As alterações implementadas foram vastas e, em muitos casos, desastrosas. A crescente integração da Guarda Nacional Republicana (GNR) no combate aos incêndios, por exemplo, não só gerou redundâncias e sobreposições de funções como também lançou uma sombra de dúvida sobre a competência e a necessidade dos bombeiros voluntários, um ato que muitos interpretaram como um desrespeito direto à sua dedicação e sacrifício.

O investimento em novas forças, enquanto os quartéis dos bombeiros voluntários clamavam por recursos básicos, destacou uma desconexão alarmante entre as necessidades no terreno e as decisões políticas.

A profissionalização dos sapadores florestais, embora importante, prosseguiu nesta linha de desconsideração pelo “Zé Bombeiro”, o voluntário cuja vida é marcada pelo altruísmo e um compromisso inabalável com a comunidade.

A dependência cada vez maior nas Equipas de Intervenção Permanente, embora seja um reconhecimento implícito da insuficiência dos recursos atuais, não deixa de ser uma solução paliativa que ignora a raiz do problema: a desvalorização sistemática dos bombeiros voluntários.

O questionário das “Gerações Bravo”, por muito que se pretenda ser uma ferramenta de diagnóstico, não pode e não deve ser visto como um substituto para ações concretas e significativas.

Se a intenção é genuinamente valorizar e compreender os bombeiros, então é imperativo que as autoridades empreendam um esforço muito mais profundo e abrangente do que simples inquéritos.

É preciso restaurar não apenas o respeito e o reconhecimento merecido aos bombeiros – uma das instituições mais veneráveis e contudo menos valorizadas da história de Portugal – mas também assegurar que são fornecidas as condições necessárias para que possam desempenhar o seu papel essencial com a eficácia, segurança e dignidade que a sua coragem e dedicação exigem.

Neste sentido, a valorização dos bombeiros passa por uma mudança estrutural e cultural profunda, que reconheça verdadeiramente o seu papel insubstituível na proteção da sociedade.

Tal mudança deve refletir-se não só nas políticas e na alocação de recursos, mas também na forma como a sociedade, as entidades governamentais e a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil encaram e interagem com estes heróis do dia-a-dia.

Apenas com um compromisso autêntico e ações concretas poderemos aspirar a restaurar a confiança e o orgulho entre aqueles que, por amor à sua comunidade, escolhem enfrentar o perigo como bombeiros.

Esta é a única via para garantir a sustentabilidade e eficácia deste serviço essencial, assegurando que Portugal possa contar com a bravura e a resiliência dos seus bombeiros por muitas gerações vindouras.

Um Comentário

  1. Fui dirigente de uma Associação de Bombeiros Voluntários durante cerca de 20 anos.
    Vivi com os meus Bombeiros os momentos bons mas também os maus.
    Estive com eles em grandes e as vezes pequenos incêndios.
    Partilhei bons momentos e maus momentos.
    Privei da minha vida familiar para estar nos Bombeiros.
    Fui Voluntario sim mas com muito gosto e não fui daqueles que tiraram algum partido disso. Dei muito de mim mesmo em prol da minha Associação.
    Hoje sinto desgosto de ver os Corpos de Bombeiros Voluntários estarem a passar por momentos menos bons.
    O Voluntariado era encarado como um bem adquirido em prol da sociedade. Hoje parece que isso esta a ficar para tras, infelizmente. Valor tão grande e tão belo, o de ser Voluntario. Saudo vos e Bem Hajam.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Botão Voltar ao Topo
Fechar

Adblock Detectado

Por favor, considere apoiar o nosso site desligando o seu ad blocker.